Estudando o Espiritismo

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terça-feira, 3 de novembro de 2015

O INSTINTO E A INTELIGÊNCIA


Qual a diferença entre o instinto e a inteligência? Onde acaba um e o outro começa? Será o instinto uma inteligência rudimentar ou será uma faculdade distinta, um atributo exclusivo da matéria?

O instinto é a força oculta que solicita os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários, tendo e vista a conservação deles. Nos atos instintivos não há reflexão, nem combinação, nem premeditação. É assim que a planta procura o ar, se volta para a luz, dirige suas raízes para água e para a terra nutriente; que a flor se abre e fecha alternativamente, conforme se lhe faz necessário; que as plantas trepadeiras se enroscam em torno daquilo que lhes serve de apoio, ou se lhe agarram com as gavinhas. É pelo instinto que os animais são avisados do que lhes convém ou prejudica; que buscam, conforme a estação, os climas propícios; que constroem, sem ensino prévio, com mais ou menos arte, segundo as espécies, leitos macios e abrigos para as suas progênies, armadilhas para apanhar a presa de que se nutrem; que manejam destramente as armas ofensivas e defensivas de que são providos; que os sexos se aproximam; que a mãe choca os filhos e que estes procuram o seio materno. No homem, só em começo da vida o instinto domina com exclusividade; é por instinto que a criança faz os primeiros movimentos, que toma o alimento, que grita para exprimir as suas necessidades, que imita o som da voz, que tenta falar e andar. No próprio adulto, certos atos são instintivos, tais como os movimentos espontâneos para evitar um risco, para fugir a um perigo, para manter o equilíbrio do corpo; tais ainda o piscar das pálpebras para moderar o brilho da luz, o abrir maquinal da boca para respirar, etc.

A inteligência se revela por atos voluntários, refletidos, premeditados, combinados, de acordo com a oportunidade das circunstâncias. É incontestavelmente um atributo exclusivo da alma. Todo ato maquinal é instintivo; o ato que denota reflexão, combinação, deliberação é inteligente. Um é livre, o outro não o é.

O instinto é guia seguro, que nunca se engana; a inteligência, pelo simples fato de ser livre, está, por vezes, sujeita a errar.
           
Ao ato instintivo falta o caráter do ato inteligente; revela, entretanto, uma causa inteligente, essencialmente apta a prever. Se se admitir que o instinto procede da matéria, ter-se-á que admitir que a matéria é inteligente, até mesmo bem mais inteligente e previdente do que a alma, pois que o instinto não se engana, ao passo que a inteligência se equivoca.
           
Se se considerar o instinto uma inteligência rudimentar, como se há de explicar que, em certos casos, seja superior à inteligência que raciocina? Como explicar que torne possível se executem atos que esta não pode realizar?

Se ele é atributo de um princípio espiritual de especial natureza, qual vem a ser esse princípio? Pois que instinto se apaga, dar-se-á que esse princípio se destrua? Se os animais são dotados apenas de instinto, não tem solução o destino deles e nenhuma compensação os seus sofrimentos, o que não estaria de acordo nem com a justiça, nem com a bondade de Deus.

Segundo outros sistemas, o instinto e a inteligência procederiam de um único princípio. Chegado a certo grau de desenvolvimento, esse princípio, que primeiramente apenas tivera as qualidades do instinto, passaria por uma transformação que lhe daria as da inteligência livre.

Se fosse assim, no homem inteligente que perde a razão e entra a ser guiado exclusivamente pelo instinto, a inteligência voltaria ao seu estado primitivo e, quando o homem recobrasse a razão, o instinto se tornaria inteligência e assim alternativamente, a cada acesso, o que não é admissível.

Aliás, é freqüente o instinto e a inteligência se revelarem simultaneamente no mesmo ato. No caminhar, por exemplo, o movimento das pernas é instintivo; o homem põe maquinalmente um pé á frente do outro, sem nisso pensar; quando, porém, ele quer acelerar ou demorar o passo, levantar o pé ou desviar-se de um tropeço, há cálculo, combinação; ele age com deliberado propósito. A impulsão involuntária do movimento é o ato instintivo; a calculada direção do movimento e o ato inteligente. O animal carnívoro é impelido pelo instinto a se alimentar de carne, mas as precauções que toma e que variam conforme as circunstância, para segurar a presa, a sua previdência das eventualidade são atos da inteligência.

Outra hipótese que, em suma, se conjuga perfeitamente à ideia da unidade de princípio, ressalta do caráter essencialmente previdente do instinto e concorda com o que o Espiritismo ensina, no tocante às relações do mundo espiritual com o mundo corpóreo.

Sabe-se agora que muitos Espíritos desencarnados têm por missão velar pelos encarnados, dos quais se constituem protetores e guias; que os envolvem nos seus eflúvios fluídicos; que o homem age muitas vezes de modo inconsciente, sob a ação desses eflúvios.

Sabe-se, ao demais, que o instinto, que por si mesmo produz atos inconscientes, predomina nas crianças e, em geral, nos seres cuja razão é fraca. Ora, segundo esta hipótese, o instinto não seria atributo nem da alma, nem da matéria; não pertenceria propriamente ao ser vivo, seria efeito da ação direta dos protetores invisíveis que supririam a imperfeição da inteligência, provocando os atos inconscientes necessários à conservação do ser. Seria qual a andadeira com que se amparam as crianças que ainda não sabem andar. Então, do mesmo modo que se deixa gradualmente de usar a andadeira, à medida que a criança se equilibra sozinha, os Espíritos protetores deixam entregues a si mesmos os seus protegidos, à medida que estes se tornam aptos a guiar-se pela própria inteligência.

Assim, o instinto, longe de ser produto de uma inteligência rudimentar e incompleta, sê-lo-ia de uma inteligência estranha, na plenitude da sua força, inteligência protetora, supletiva da insuficiência, quer de uma inteligência mais jovem, que aquela compeliria a fazer, inconscientemente, para seu bem, o que ainda fosse incapaz de fazer por si mesma, quer de uma inteligência madura, porém momentaneamente tolhida no uso de suas faculdades, como se dá com o homem na infância e nos casos de idiotia e de afecções mentais.

Diz-se proverbialmente que há um deus para as crianças, para os loucos e para os ébrios. É mais veraz do que se supõe esse ditado. Aquele deus, outro não é senão o Espírito protetor, que vela pelo ser incapaz de se proteger, utilizando-se da sua própria razão.

Nesta ordem de idéias, ainda mais longe se pode ir. Por muito racional que seja, essa teoria não resolve todas as dificuldades da questão.

Se observarmos os efeitos do instinto, notaremos, em primeiro lugar, uma unidade de vistas e de conjunto, uma segurança de resultados, que cessam logo que a inteligência o substitui. Demais, reconheceremos profunda sabedoria na apropriação tão perfeita e tão constante das dificuldades instintivas às necessidades de cada espécie. Semelhante unidade de vistas não poderia existir sem a unidade de pensamento e esta é incompatível com a diversidade das aptidões individuais; só ela poderia produzir esse conjunto tão harmonioso que se realiza desde a origem dos tempos e em todos os climas, com uma regularidade, uma precisão matemáticas, cuja ausência jamais se nota. A uniformidade no que resulta das faculdades instintivas é um fato característico, que forçosamente implica a unidade da causa. Se a causa fosse inerente a cada individualidade, haveria tantas variedades de instintos quantos fossem os indivíduos, desde a planta até o homem. Um efeito geral, uniforme e constante, há de ter uma causa geral, uniforme e constante; um efeito que atesta sabedoria e previdência há de ter uma causa sábia e previdente. Ora, uma causa dessa natureza sendo por força inteligente, não pode ser exclusivamente material.
           
Não se nos deparando nas criaturas, encarnadas ou descarnadas, as qualidade necessárias à produção de tal resultado, temos que subir mais alto, isto é, ao próprio Criador. Se nos reportamos à explicação dada sobre a maneira por que se pode conceber a ação providencial; se figurarmos todos os seres penetrados do fluido divino, soberanamente inteligente, compreenderemos a sabedoria previdente e a unidade de vistas que presidem a todos os movimentos instintivos que se efetuam para o bem de cada indivíduo. Tanto mais ativa é essa solicitude, quanto menos recursos tem o indivíduo em si mesmo e na sua inteligência. Por isso é que ela se mostra maior e mais absoluta nos animais e nos seres inferiores, do que no homem.
           
Segundo essa teoria, compreende-se que o instinto seja um guia seguro. O instinto materno, o mais nobre de todos, que o materialismo rebaixa ao nível das forças atrativas da matéria, fica realçado e enobrecido. Em razão das suas conseqüências, não devia ele ser entregue às eventualidades caprichosas da inteligência e do livre-arbítrio. Por intermédio da mãe, o próprio Deus vela pelas suas criaturas que nascem.

Esta teoria de nenhum modo anula o papel dos Espíritos protetores, cujo concurso é fato observado e comprovado pela experiência; mas, deve-se notar que a ação desses Espíritos é essencialmente individual; que se modifica segundo as qualidades próprias do protetor e do protegido e que em parte nenhuma apresenta a uniformidade e a generalidade do instinto. Deus, em sua sabedoria, conduz ele próprio os cegos, porém confia a inteligências livres o cuidado de guiar os clarividentes, para deixar a cada um a responsabilidade de seus atos.
           
A missão dos Espíritos protetores constitui um dever que eles aceitam voluntariamente e lhes é um meio de adiantarem, dependendo o adiantamento da forma por que o desempenhem.

Todas essas maneiras de considerar o instinto são forçosamente hipotéticas e nenhum apresenta caráter seguro de autenticidade, para ser tida como solução definitiva. A questão, sem dúvida, será resolvida um dia, quando se houverem reunido os elementos de observação que ainda faltam. Até lá, temos que limitar-nos a submeter as diversas opiniões ao cadinho da razão e da lógica e esperar que a luz se faça. A solução que mais as aproxima da verdade será decerto a que melhor condiga com os atributos de Deus, isto é, com a bondade suprema e a suprema justiça.

Sendo o instinto o guia e as paixões as molas da alma no período inicial do seu desenvolvimento, por vezes aquele e estas se confundem nos efeitos. Há, contudo, entre esses dois princípios, diferenças que muito importa se considerem.

O instinto é guia seguro, sempre bom. Pode, ao cabo de certo tempo, tornar-se inútil, porém nunca prejudicial. Enfraquece-se pela predominância da inteligência.

As paixões, nas primeiras idades da alma, têm de comum com o instinto o serem as criaturas solicitadas por força igualmente inconsciente. As paixões nascem principalmente das necessidades do corpo e dependem, mais do que o instinto, do organismo. O que, acima de tudo, as distingue do instinto é que são individuais e não produzem, como este último, efeitos gerais e uniformes; variam, ao contrário, de intensidade e de natureza, conforme os indivíduos. São úteis, como estimulante, até à eclosão do senso moral, que faz nasça, de um ser passivo, um ser racional. Nesse momento, tornam-se não só inúteis, como nocivas ao progresso do Espírito, cuja desmaterialização retardam. Abrandam-se com o desenvolvimento da razão.

O homem que só pelo instinto agisse constantemente poderia ser muito bom, mas conservaria adormecida a sua inteligência. Seria qual criança que não deixasse as andadeiras e não soubesse utilizar-se de seus membros. Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligentes, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

Denizart Castaldeli
Dezembro / 2003

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