Estudando o Espiritismo

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sábado, 5 de outubro de 2013

Culpa ou responsabilidade?

Autora: Fabiana Andrade
Psicóloga Clínica
www.oficinadepsicologia.com
 
“Sei que foi culpa minha, não lhe dei atenção estes anos todos, é natural que ela tenha se apaixonado por outra pessoa”;
 “O meu pai está sempre zangado, todos os dias, a culpa é minha pois sou uma fonte de preocupações”;
“Ele disse que precisava de outras experiências, que estava numa fase pouco disponível, isso parece-me mentira, sei que a culpa é minha, já não é a primeira vez que alguém me deixa”;
“Ele diz que sou uma má mãe, acho que tem razão, a culpa é minha do meu filho fazer tantas birras”;
“As agressões são constantes, a culpa é minha de o deixar tão zangado”;
“Se eu estivesse lá o acidente não teria acontecido, a culpa é minha!”
Estas frases parecem-lhe familiares? Para mim sim, pois são referidas diariamente no consultório por pessoas que assumem a culpa de tudo na sua vida.
Há pelo menos duas impressões imediatas que saltam à vista nestes exemplos. Uma implícita: a presença única do EU. Repararam que tudo passa a ser sobre a própria pessoa quando ela se assume culpada de algo?
Eu, eu, eu, como se elas tivessem todo o poder de controlar tudo e todos e fosse tudo sempre sobre si, o outro praticamente não existe na relação, nada é sobre o percurso do outro, tudo vem parar sempre na noção de que aquilo que aconteceu se deve antes de mais a alguma característica ou acção da própria pessoa. A questão é que elas não se sentem grandes e nem percebem que este mecanismo tem muito de omnipotência. Continuam a sentir-se as pessoas mais pequenas do mundo. Oscilam entre a própria culpa ou então são vítimas e a culpa é do outro, mas em qualquer um dos casos sentem-se sempre fracos e sem poder de mudar a situação.
A segunda impressão, esta mais óbvia, é mesmo a noção de culpa. É sobre esta noção que hoje decidi “viajar” um pouco, pois noto a sua capacidade limitadora e estagnante. Observo diariamente que pessoas “culpadas” não fazem uma interpretação de si mesmas, dos outros e das situações de uma forma saudável.
Quando exploro com estes clientes o que é da sua responsabilidade e o que é dos outros, sentem-se muito desconfortáveis e utilizam a palavra CULPA. Muitas vezes acreditam que culpa e responsabilidade são sinónimos, mas na verdade não são!
Na culpa o que surge é essencialmente um sentimento depreciativo de si mesmo que deriva de uma crítica acusatória, já a responsabilidade é uma habilidade, uma capacidade de responder e agir perante algo. Com ela, surge a noção de liberdade e força para lidar com circunstâncias que criamos ou ajudamos a criar. A culpa nos tira força e nos deixa numa posição de vítima de nós mesmos. Ela pede punição e dor, mas não oferece criatividade para reparar o que ficou mal resolvido.
Muitos autores sugerem que o conceito de culpa como um sentimento auto punitivo surge com a Bíblia. Sabemos que segundo o livro sagrado, Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança mas não lhe concedeu o discernimento do bem e do mal, capacidade que só Deus possuía.
No entanto, o homem ambicionando ser igual a Deus, conhecedor do bem e do mal, desobedeceu ao seu criador comendo do fruto que lhe tinha sido proibido. Após comerem do fruto proibido o homem e a mulher tomam consciência da sua condição imperfeita e do sentimento de culpa pelo seu acto. É portanto, deste episódio que nasce a culpa e a necessidade de um castigo como forma de expiação da mesma culpa.
A palavra Culpa vem do Latim culpa e designa não só uma falta para com a lei, seja ela religiosa ou civil, mas também a consciência dessa falta por quem a cometeu. Assim, o conceito de culpa serve há anos para punirmos quem transgride leis e normas, serve para a organização da sociedade. Está presente no âmbito jurídico e penal, no âmbito social e surge sempre que alguém se desvia da norma.
No entanto, quando saímos da dimensão social e passamos para a dimensão individual, a culpa torna-se redutora, estagnante, na medida em que retira liberdade e força da pessoa para resolver a situação. Leva a sentimentos de auto-punição que cada vez mais danificam a auto-estima, impossibilitando uma vida feliz e saudável.
Juntamente com a noção de culpa, aparece a noção de que não se pode errar. No entanto, sabemos que a aprendizagem, a evolução, vem do erro e da lição que aprendemos com este erro. A culpa impede uma interpretação construtiva do erro, impossibilitando o desenvolvimento.
A culpa é o sentimento de não ser digno, de ser mau e traz remorso e censura. É um movimento de raiva virado contra o próprio que muitas vezes só diminui com a punição. Por vezes, a punição nunca é suficiente para reduzir a sensação de culpa e a pessoa vive num ciclo constante de depreciação própria.
Características comuns em quem sente culpa: 

- Preocupação excessiva com a opinião dos outros;
- Desconforto quando recebe prendas ou elogios. Não se consideram dignos;
- Raiva reprimida;
- Dificuldade em assumir responsabilidade pelos próprios actos;
- Sentimento de rejeição e vitimização, não se sentem suficientemente fortes;
- Atreitos à doenças, ou acidentes frequentes
- Dificuldade em expressar os reais sentimentos e em dizer não;
- Necessidade em agradar;
- Agem para os outros e não para si mesmos
Consequências da culpa:

- Auto-punição;
- Medo;
- Sofrimento;
- Remorso;
- Estagnação;
- Doença;
- Tristeza/depressão;
- Submissão;
- Prisão emocional;
- Solidão;
- Dificuldade em impor limites, dizer não;
- Fuga através do álcool, drogas;
- Compulsão alimentar;
- Conflitos internos e nas relações ;
- Dificuldade em sentir prazer;
- Destruição da auto-estima e amor-próprio
Então o que fazer se identificarmos em nós mesmos esta tendência?
Em primeiro lugar entender que culpa é diferente de responsabilidade. A culpa pressupõe um vilão e uma vítima, a responsabilidade é partilhada entre dois iguais. Assim, nos relacionamentos, há sempre responsabilidades dos dois lados, observe qual é a sua e lembre-se de entender qual é do outro.
Lembre-se que nem tudo é sobre si. Você não tem poder sobre a decisão dos outros, elas devem-se ao processo do outro e não ao seu, não tem poder de impedir catástrofes, doenças e acidentes, tem apenas poder de decidir sobre a sua própria vida e buscar caminhos para a sua felicidade. Com certeza eles não passam por continuar a sentir-se culpado de tudo!
Responsabilidade é força, é liberdade para modificar o que não está bem, com o foco no futuro. É assumir e aprender com as consequências dos nossos erros e olhar para eles como oportunidades de aprendizagem. É uma postura adulta e saudável perante a vida.
O processo terapêutico é entre outras coisas, o processo que permite a consciência da responsabilidade. Permite a mudança de um padrão de culpa para outro mais consciente, saudável e livre. Está a espera de quê para começar?

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