Estudando o Espiritismo

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sábado, 7 de abril de 2012

VIDA ESPÍRITA e ESCOLHA DAS PROVAS. - ESDE Antigo



PROGRAMA IV

ROTEIRO 17

VIDA ESPÍRITA
ESCOLHA DAS PROVAS.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Evidenciar a importância do livre-arbítrio na escolha de provas nas programações reencarnatórias.
Estabelecer a diferença entre provações e atribulações corriqueiras na vida dos encarnados.

IDÉIAS PRINCIPAIS
O Espirito, "(. .) ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio. (...) Cumpre se distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vos quem o criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes, e Deus o permitiu." (01).
No mundo espiritual, o Espirito tem a oportunidade de escolher o gênero de provas, mas não escolheu nem previu tudo que ira acontecer com ele no mundo corporal. "(...) As particularidades correm por conta da posição em que vos achais; são, muitas vezes, conseqüências das vossas próprias ações. (...) Sabe o Espírito que, escolhendo tal caminho, terá que sustentar lutas de determinada espécie (...). Os acontecimentos secundários se originam das circunstancias e da força mesma das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que influem no destino. (...)"

FONTES DE CONSULTA

BÁSICAS
01 - KARDEC, Allan. Da Vida Espirita. In. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 57. ed. Rio de Janeiro, FEB, 1983. Parte 2ª, questão 258, p. 171.
02 - Op. cit., questão 259, p. 171-172.
03 - Op. cit., questão 266, p. 174-176.

ESCOLHA DAS PROVAS.

"(...) Sob a influência das idéias carnais, o homem, na Terra, só vê das provas o lado penoso. Tal a razão de lhe parecer natural sejam escolhidas as que, do seu ponto de vista, podem coexistir com os gozos materiais. Na vida espiritual, porém, compara esses gozos fugazes e grosseiros com a inalterável felicidade que lhe é dado entrever e desde logo nenhuma impressão mais lhe causam os passageiros sofrimentos terrenos. Assim, pois, o Espirito pode escolher prova muito rude e, conseguintemente, uma angustiada existência, na esperança de alcançar depressa um estado melhor, como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável para se curar de pronto. Aquele que intenta ligar seu nome à descoberta de um pais desconhecido não procura trilhar estrada florida. Conhece os perigos a que se arrisca, mas também sabe que o espera a gloria, se lograr bom êxito.

A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas existências e as provas que devamos sofrer deixa de parecer singular, desde que se atenda a que os Espíritos, uma vez desprendidos da matéria, apreciam as coisas de modo diverso da nossa maneira de aprecia-las. Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, vêem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza para atingirem aquela meta. Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corpórea, solicitando as que possam fazer que a alcancem mais presto. Não ha, pois, motivo de espanto no fato de o Espírito não preferir a existência mais suave. Não lhe é possível, no estado de imperfeição em que se encontra, gozar de uma vida isenta de amarguras. Ele o percebe e, precisamente para chegar a fruí-la, é que trata de se melhorar. Não vemos, alias, todos os dias, exemplos de escolhas tais? Que faz o homem que passa uma parte de sua vida a trabalhar sem trégua, nem descanso, para reunir haveres que lhe assegurem o bem-estar, se não desempenhar uma tarefa que a si mesmo se impôs, tendo em vista melhor futuro? O militar que se oferece para uma perigosa missão, o navegante que afronta não menores perigos, por amor da Ciência ou no seu próprio interesse, que fazem, também eles, senão sujeitar-se aprovas voluntárias, de que lhos advirão honras e proveito, se não sucumbirem? A que se não submete ou expõe o homem pelo seu interesse ou pela sua gloria? E os concursos não são também todos provas voluntárias a que os concorrentes se sujeitam, com o fito de avançarem na carreira que escolheram? Ninguém galga qualquer posição nas ciências, nas artes, na indústria, senão passando pela série das posições inferiores, que são outras tantas provas. A vida humana é, pois, cópia da vida espiritual; nela se nos deparam em ponto pequeno todas as peripécias da outra. Ora, se na vida terrena muitas vezes escolhemos duras provas, visando a posição mais elevada, por que não haveria o Espirito, que enxerga mais longe que o corpo e para quem a vida corporal ‚ apenas incidente de curta duração, de escolher uma existência árdua e laboriosa, desde que o conduza a felicidade eterna? Os que dizem que pedirão para ser príncipes ou milionários, uma vez que ao homem e que caiba escolher a sua existência, se assemelham aos míopes, que apenas vêem aquilo em que tocam, ou a meninos gulosos, que, a quem os interroga sobre isso, respondem que desejam ser pasteleiros ou doceiros. ; O viajante que atravessa profundo vale ensombrado por espesso nevoeiro não logra apanhar coma vista a extensão da estrada por onde vai, nem os seus pontos extremos. Chegando, porém, ao cume da montanha, abrange com o olhar quanto percorreu do caminho e quanto lhe resta dele a percorrer. Divisa-lhe o termo, vê os obstáculos que ainda terá de transpor e combina então os meios mais seguros de atingi-lo. O Espirito encarnado e qual viajante no sopé da montanha. Desenleado dos liames terrenais, sua visão tudo domina, como a daquele que subiu a crista da serrania. Para o viajor, no termo da sua jornada está o repouso após a fadiga; para o Espírito, esta a felicidade suprema, após as tribulações e as provas. Dizem todos os espíritos que, na erraticidade, eles se aplicam a pesquisar, estudar, observar, a fim de fazerem a sua escolha. Na vida corporal não se oferece um exemplo deste fato? Não levamos freqüentemente, anos a procurar a carreira pela qual afinal nos decidimos, certos de ser a mais apropriada a nos facilitar o caminho da vida? Se numa o nosso intento se malogra, recorremos a outra. Cada uma das que abraçamos representa uma fase, um período da vida. Não nos ocupamos cada dia em cogitar do que faremos no dia seguinte ? Ora, que são para o Espírito as diversas existências corporais, se não fases, períodos, dias da sua vida espirita, que é, como sabemos, a vida normal, vista que a outra é transitória, passageira?" (03)



ANEXO 2 - 1º CASO
A QUEDA DE OTÁVIO

A ausência de Aniceto deu ensejo a palestras interessantes.
Formaram-se grupos de conversação amiga. Impressionado com as senhoras que haviam solicitado providências para Otávio, pedi a Vicente me apresentasse a elas, não que me movesse curiosidade menos digna, mas desejo de alcançar novos valores educativos sobre a tarefa mediúnica, que a palavra de Telésforo me fizera sentir em tons diferentes.
O amigo atendeu de boamente.
Em breves momentos, não me achava tão só afrente das irmãs Isaura o Isabel, mas do próprio Otávio, um pálido senhor que aparentava quarenta anos
- Também sou principiante aqui - expliquei - e minha condição é a do médico falido nos deveres que o Senhor me confiou
Otávio sorriu e respondeu:
- Possivelmente, o meu amigo terá a seu favor o fato de haver ignorado as verdades eternas, no mundo. O mesmo não ocorre comigo, ai de mim !
Não desconhecia o roteiro certo, que o Pai me designava para as lutas na Terra. Não possuía títulos oficializados de competência; entretanto, dispunha de considerável cultura evangélica, coisa que, para a vida eterna,. é de maior importância que a cultura intelectual, simplesmente considerada.
Tive amigos generosos do plano superior, que se faziam visíveis aos meus olhos, recebi mensagens repletas de amor e sabedoria e, no entanto, cai mesmo assim, obedecendo à imprevidência e à vaidade.
As observações de Otávio impressionavam-me vivamente. Quando no mundo , eu não tivera contato especial com as escolas espiritistas e experimentava certa dificuldade para compreender tudo quanto ele desejava dizer.
— Ignorava a extensão das responsabilidades mediúnicas—respondi.
— As tarefas espirituais— tornou o interlocutor, algo acabrunhado — ocupam-se de interesses eternos e dai a enormidade de minha falta
Os mordomos de bens da alma estão investidos de responsabilidades pesadíssimas. Os estudiosos, os crentes, os simpatizantes, no campo da fé, podem alegar ignorância e inibição; todavia, os sacerdotes não tem desculpa. E' o mesmo que se verifica na tarefa mediúnica. Os aprendizes ou beneficiários, nos templos da Revelação nova, podem referir-se a determinados impedimentos; mas o missionário é obrigado a caminhar com um patrimônio de certeza tais, que coisa alguma o exonera das culpas adquiridas.
— Mas, meu amigo - perguntei, assaz impressionado - , que teria motivado seu martírio moral? Noto-o tão consciente de si mesmo, tão superiormente informado sobre as leis da vida , que me custa acreditar se encontre necessitado de novas experiências nesse capitulo...
Arnbas as senhoras presentes mostraram estranho brilho no olhar, enquanto Otávio respondia:
—Relatarei minha queda. Vera como perdi maravilhosa oportunidade de elevação.
E, após mais longa pausa, continuou, gravemente:
—Depois de contrair dividas enormes na esfera carnal, noutro tempo, vim bater às portas de "Nosso Lar", sendo atendido por irmãos dedicados, que se revelaram incansáveis para comigo. Preparei-me, então, durante trinta anos consecutivos, para voltar à Terra em tarefa mediúnica, desejoso de saldar minhas contas e elevar-me alguma coisa. Não faltaram lições verdadeiramente sublimes, nem estímulos santos ao meu coração imperfeito. O Ministério da Comunicação favoreceu-me com todas as facilidades e, sobretudo, seis entidades amigas movimentaram os maiores recursos em benefício do meu êxito. Técnicos do Auxilio acompanharam-me à Terra, nas vésperas do meu renascimento, entregando-me um corpo físico rigorosamente sadio. Segundo a magnanimidade dos meus benfeitores daqui, ser-me-ia concedido certo trabalho de relevo, na esfera de consolação às criaturas. Permaneceria junto das falanges de colaboradores encarregados do Brasil, animando-lhes os esforços o atendendo a irmãos outros, ignorantes, perturbados ou infelizes. O matrimonio não deveria entrar na linha de minhas cogitações, não que o casamento possa colidir com o exercício da mediunidade, mas porque meu caso particular assim o exigia. Nada obstante, solteiro, deveria receber, aos vinte anos, os seis amigos que muito trabalharam por mim, em "Nosso Lar", os quais chegariam ao meu círculo como órfãos. Meu débito para com essas entidades tornou-se muito grande e a providência não só constituiria agradável resgate para mim, como também garantia de triunfo pelo serviço de assistência a elas, o que me preservaria o coração de leviandades e vacilações, porquanto o ganha-pão laborioso me compeliria a não aceder a sugestões inferiores nos domínios do sexo e das ambições incutidas. Ficou também assentado que minhas atividades novas começariam com muitos sacrifícios para que o possível carinho de outrem não amolecesse a minha fibra de realização, e para que se não escravizasse minha tarefa a situações caprichosas do mundo, distantes dos desígnios de Jesus, e, sobretudo, para que fosse mantida a impessoalidade do serviço. Mais tarde, então, com o correr dos anos de edificação, me enviariam de "Nosso Lar' socorros materiais, cada vez maiores, à medida que fosse testemunhando renúncia de mim mesmo, desprendimento das posses efêmeras, desinteresse pela remuneração dos sentidos, de maneira a intensificar, progressivamente, a semeadura de amor confiada às minas mãos.
Tudo combinado, voltei, não só prometendo fidelidade aos meus instrutores, como também hipotecando a certeza do meu devotamento às seis entidades amigas, a quem muito devo até agora.
Otávio, nesse momento, faz uma pausa mais longa, suspirou fundamente, e prosseguiu:
- Mas, ai de mim, que olvidei todos os compromissos! Os benfeitores de "Nosso Lar" localizaram-me ao lado de verdadeira serva de Jesus. Minha mãe era espiritista cristã desde moça, não obstante as tendências materialistas de meu pai, que era, todavia, um homem de bem. Aos treze anos fiquei órfão de mãe e, aos quinze, começaram para mim os primeiros chamados da esfera superior. Por essa ocasião, meu pai contraiu segundas núpcias, e, apesar da bondade e cooperação que a madrasta me oferecia, eu me colocava num plano de falsa superioridade, a respeito dela. Em vão, minha genitora endereçou, do invisível, apelos sagrados ao meu coração. Eu vivia revoltado, entre queixas e lamentações descabidas. Meus parentes conduziram-me a um grupo espiritista de excelente orientação evangélica, onde minhas faculdades poderiam ser postas a serviço dos necessitados e sofredores; entretanto, faltavam-me qualidades de trabalhador e companheiro fiel. Minha negação em matéria de confiança nos orientadores espirituais e acentuado pendor para a critica dos atos alheios compeliam-me a desagradável estacionamento. Os beneméritos amigos do invisível estimulavam-me ao serviço, mas eu duvidava deles com a minha vaidade doentia. E como prosseguissem os apelos sagrados, por mim interpretados como alucinações, procurei um médico que me aconselhou experiências sexuais. Completara, então, dezenove anos e entreguei-me desenfreadamente ao abuso de faculdades sublimes. Desejava conciliar, à força, o prazer delituoso e o dever espiritual, alheando-me, cada vez mais, dos ensinos evangélicos que os amigos da esfera superior nos ministravam. Tinha pouco mais de vinte anos, quando meu pai foi arrebatado pela morte. Com a triste ocorrência, ficavam na orfandade seis crianças desfavorecidas, porquanto minha madrasta, ao se consorciar com meu genitor, lhe trouxera para a tutela três pequeninos.
Em vão implorou-me socorro a pobre viúva. Nunca me dignei aceitar os encargos redentores que me estavam destinados. Após dois anos de segunda viuvez minha desventurada madrasta foi recolhida a um leprosário. Afastei-me, então, dos pequenos órfãos, tomado de horror. Abandonei-os definitivamente, sem refletir que lançava meus credores generosos, de "Nosso Lar", a destino incerto. Em seguida, dando largas à ociosidade, cometi uma ação menos digna e fui obrigado a casar-me pela violência. Mesmo assim, porém, persistiam os chamados do invisível, revelando-me a inesgotável misericórdia do Altíssimo. Contudo, à medida que olvidava meus deveres, toda tentativa de realização espiritual figurava-se-me mais difícil. E continuou a tragédia que inventei para meu próprio tormento. A esposa a que me ligara, tão somente por apetites inconfessáveis, era criatura muito inferior à minha condição espiritual e atraiu uma entidade monstruosa, em ligação com ela, para tomar o papel de meu filho. Releguei à rua seis carinhosas crianças, cuja convivência concorreria decisivamente para minha segurança moral, mas a companheira e o filho, ao que me pareceu, incumbiram-se da vingança. Atormentaram-me ambos, até ao fim da existência, quando para aqui regressei, mal tendo completado quarenta anos, roído pela sífilis, pelo álcool e pelos desgostos... sem nada haver feito para meu futuro eterno... Sem construir coisa alguma no terreno do bem...
Enxugou os olhos úmidos e concluiu:
—Como vê, realizei todos os meus condenáveis desejos, menos os desejos de Deus. Foi por isso que fali, agravando antigos débitos...
Nesse instante, calou-se como se alguma coisa invisível lhe constringisse a garganta.
Abracei-o com simpatia fraternal, ansioso de proporcionar-lhe estimulo ao coração, mas Dona Isaura aproximou-se mais, acariciou-lhe a fronte e falou
—Não chores, filho! Jesus não nos falta com a benção do tempo. Tem calma e coragem...
E Identificando-lhe o carinho, meditei na Bondade Divina, que faz ecoar o cântico sublime do amor de mãe, mesmo nas regiões de além morte. (01 )


O DESASTRE DE ACELINO

Ia dirigir-me a Otávio novamente, quando alguém se aproximou e falou ao ex médium, com voz forte:
— Não chore, meu caro. você não está desamparado. Além disso, pode contar com o devotamento materno. Vivo em piores condições, mas não me faltam esperanças. Sem dúvida, estamos em bancarrota espiritual; no entanto, é razoável aguardarmos, confiantes, novo empréstimo de oportunidades do Tesouro Divino. Deus não está pobre.
Voltei-me surpreendido e não reconheci o recém chegado.
Dona Isaura fez o obséquio das apresentações
Estávamos diante de Acelino, que partilhara a mesma experiência.
Fitando-o, triste, Otávio sorriu e advertiu:
— Não sou criminoso para o mundo, mas sou um falido para Deus e para "Nosso Lar "
— Sejamos, porem, lógicos - revidou Acelino, parecendo mais encorajado - , você perdeu a partida porque não jogou, e eu a perdi jogando desastradamente. Tive onze anos de tormento nas zonas inferiores. Sua situação não reclamou esse drástico. Mesmo assim, confio na Providência.
Nesse instante, interveio Vicente, acrescentando:
— Cada um de nós tem a experiência que lhe é própria. Nem todos ganham nas provas terrestres.
E voltando-se de modo especial, para mim, aduziu
— Quantos de nós os médicos, perdemos lamentavelmente na luta?
Depois de concordar, trazendo à baila o meu próprio caso objetei:
— Seria, porém, muitíssimo interessante conhecer a experiência de Acelino. Teria sofrido o mesmo acidente de Otávio? Creio de grande aproveitamento penetrar essas lições. No mundo, não compreendia bem o que fossem tarefes espirituais, mas aqui a nossa visão se modifica. Há que cogitar do nosso futuro eterno.
Acelino sorriu e obtemperou:
— Minha história é muito diferente. A queda que experimentei apresenta características diversas e, a meu ver, muito mais graves.

E, atendendo-nos a expectativa prosseguiu, narrando:

—Também parti de "Nosso Lar", no século findo, após receber valioso patrimônio instrutivo dos nossos assessores. Segui enriquecido de bênçãos. Uma de nossas beneméritas Ministras da Comunicação presidiu, em pessoa, as medidas atinentes a minha nova tarefa. Não faltaram providências para que me felicitassem a saúde do corpo e o equilíbrio da mente. Após formular grandes promessas aos nossos maiores, parti para uma das grandes cidades brasileiras, em serviço de nossa colônia. O casamento estava em meu roteiro de realizações. Ruth, minha devotada companheira, incumbir-se-ia de colaborar comigo para melhor desempenho das tarefas.

Cumprida a primeira parte do programa, aos vinte anos de idade fui chamado à tarefa mediúnica, recebendo enorme amparo dos benfeitores invisíveis. Recordo ainda a sincera satisfação dos companheiros do grupo doutrinário. A vidência, a audição e a psicografia, que o Senhor me concedera por misericórdia, constituíam decisivos fatores de êxito em nossas atividades. A alegria de todos era inexcedível. Entretanto, apesar das maravilhosas lições de amor evangélico inclinei-me a transformar minhas faculdades em fonte de renda material. Não me dispus a esperar pelos abundantes recursos que o Senhor me enviaria mais tarde, após meus testemunhos no trabalho, e provoquei, eu mesmo, a solução dos problemas lucrativos. Não era meu serviço igual a outros? Não recebiam os sacerdotes católicos-romanos a remuneração de trabalhos espirituais e religiosos ? Se todos pagávamos por serviços ao corpo, que razões haveria para fugir ao pagamento por serviços alma? Amigos, inscientes do caráter sagrado da fé, aprovavam-me as conclusões egoisticas Admitíamos que, no fundo, o trabalho essencial era dos desencarnados, mas também havia colaboração minha, pessoal, como intermediário, pelo que devia ser justa a retribuição.
Debalde, movimentaram-se os amigos espirituais aconselhando-me o melhor caminho. Em vão, companheiros encarnados chamavam-me a esclarecimento oportuno. Agarrei-me ao interesse inferior e fixei meu ponto de vista. Ficaria definitivamente por conta dos consulentes. Arbitrei o preço das consultas, com bonificações especiais aos pobres e desvalidos da sorte, e meu consultório encheu-se de gente. Interesse enorme foi despertado entre os que desejavam melhoras físicas e solução de negócios materiais. Grande número de famílias abastadas tomou-me por consultor habitual, para todos os problemas da vida. As lições de espiritualidade superior, a confraternização amiga, o serviço redentor do Evangelho e as preleções dos emissários divinos ficaram a distancia. Não mais a escola da virtude, do amor fraternal, da edificação superior, e sim a concorrência comercial, as ligações humanas legais ou criminosas, os caprichos apaixonados os casos de policia e todo um cortejo de misérias da Humanidade, em suas experiências menos dignas. Transformara-se complemente a paisagem espiritual que me rodeava. A força de me cercar de pessoas criminosas, por questões de ganho sistemático, as baixas correntes mentais dos inquietos clientes encarceraram-me em sombria cadeia psíquica. Cheguei ao crime de zombar do Evangelho de Nosso Senhor Jesus, esquecido de que os negócios delituosos dos homens de consciência viciada contam igualmente com entidades perniciosas, que se interessam por eles nos planos invisíveis. E transformei a mediunidade em fonte de palpites materiais e baixos avisos.
Nesse momento, os olhos do narrador cobriram-se de súbita vermelhidão, estampando-se-lhe fundo horror nas pupilas, como se estivesse revivendo atrozes dilacerações.
- Mas a morte chegou, meus amigos, e arrancou-me da fantasia - prosseguiu mais grave. Desde o instante da grande transição, a ronda escura dos consulentes criminosos, que me haviam precedido no túmulo, rodeou-me a reclamar palpites e orientações de natureza inferior. Queriam noticias de cúmplices encarnados, de resultados comerciais, de soluções atinentes a ligações clandestinas.
Gritei, chorei, implorei, mas estava algemado a eles por sinistros elos mentais, em virtude da imprevidência na defesa do meu próprio patrimônio espiritual. Durante onze anos consecutivos, expiei a falta, entre eles, entre o remorso e a amargura.
Acelino calou-se, parecendo mais comovido, em vista das lágrimas abundantes Fundamente sensibilizado, Vicente considerou:
- Que é isso? Não se atormente assim. Você não cometeu assassínios, nem alimentou a intenção deliberada de espalhar o mal. A meu ver, você enganou-se também, como tantos de nós.
Acelino, porém, enxugou o pranto e respondeu: - Não fui homicida nem ladrão vulgar, não mantive o propósito íntimo de ferir ninguém, nem desrespeitei alheios lares, mas, indo aos círculos carnais para servir as criaturas de Deus, nossos irmãos, auxiliando-os no crescimento espiritual com Jesus, apensa fiz viciados da crença religiosa e delinqüentes ocultos, mutilados da fé e aleijados do pensamento. Não tenho desculpas, porque estava esclarecido; não tenho perdão, porque não me faltou assistência divina.
E, depois de longa pausa, concluiu gravemente:
- Podem avaliar a extensão da minha culpa?(02)


A EXPERIÊNCIA DE JOEL

Afastando-nos para um canto do salão, acompanhei Vicente que se dirigiu a um velhote de fisionomia simpática:
— Então, meu caro Joel, como vai? - perguntou, atencioso.
O interpelado teve uma expressão melancólica e informou;
—Graças a Bondade Divina, sinto-me bastante melhorado. Tenho ido diariamente às aplicações magnéticas dos Gabinetes de Socorro, no Auxilio, e estou mais forte.
— Cederam as vertigens? - indagou o companheiro, com interesse.
— Agora são mais espaçadas e, quando surgem, não me afligem o coração com tanta intensidade
Nesse instante, Vicente descansou os olhos muito lúcidos nos meus, e disse, sorrindo:
— Joel também andou nos círculos carnais em tarefa mediúnica e pode contar experiência muito interessante.
O novo amigo, que me parecia um enfermo em princípios de convalescença, esboçou melancólico sorriso e falou:
—Fiz minha tentativa na Terra, mas fracassei. A luta não era pequena e fui fraco demais .
O que mais mo impressiona no caso dele, porém - interpõe Vicente em tom fraterno ·--, é a moléstia que o acompanhou até aqui e persiste ainda agora. Joel atravessou as regiões inferiores com dificuldades extremas, após demorar-se por lá muito tempo, voltando ao Ministério do Auxílio perseguido de alucinações estranhas, relativamente ao pretérito.
— Ao passado ? - perguntei, surpreendido.
—Sim - esclareceu Joel, humilde -, minha tarefa mediúnica exigia sensibilidade mais apurada, e, quando me comprometi à execução do serviço, fui ao Ministério do Esclarecimento, onde me aplicaram tratamento especial, que me aguçou as percepções. Necessitava condições sutis para o desempenho dos futuros deveres. Assistentes amigos desdobraram-se em obséquios, por me favorecerem, e parti para a Terra com todos os requisitos indispensáveis ao êxito de minhas obrigações. Infelizmente, porém...
— Mas porque - indaguei - perdeu as realizações? Tão só em virtude da sensibilidade adquirida?
Joel sorriu e obtemperou:
— Não perdi pela sensibilidade, mas pelo seu mau uso.
— Que diz ? - tornei, admirado.
— O meu amigo compreenderá sem dificuldades. Imagine que, com um cabedal dessa natureza, ao invés de auxiliar os outros, perdi-me a mim mesmo. E' que, segundo concluo agora, Deus concede a sensibilidade apurada como espécie de lente poderosa, que o proprietário deve usar para definir roteiros, fixar perigos e vantagens do caminho, localizar obstáculos comuns, ajudando ao próximo e a si mesmo. Procedi, porém, ao inverso. Não utilizei a lente maravilhosa, no mister justo. Deixando-me empolgar pela curiosidade doentia, apliquei-a tão somente para dilatar minhas sensações. No quadro dos meus trabalhos mediúnicos, estava a recordação de existências pregressas como expressão indispensável ao serviço de esclarecimento coletivo e beneficio aos semelhantes, que me fora concedido realizar, mas existe uma ciência de recordar, que não respeitei como devia.
Interrompendo um Instante a narrativa aguçava-me o desejo de conhecer-lhe a experiência pessoal até ao fim. Em seguida, continuou no mesmo diapasão:
- Ao primeiro chamado da esfera superior, acorri, apressado. Sentia, intuitivamente, a vívida lembrança de minhas promessas em "Nosso Lar". Tinha o coração repleto de propósitos sagrados. Trabalharia. Espalmaria muito longe a vibração das verdeces eternas. Contudo, aos primeiros contatos com o serviço, a excitação psíquica fez rodar o mecanismo de minhas recordações adormecidas, como o disco sob a agulha da vitrola, e lembrei toda a minha penúltima existência, quando envergara a batina, sob o nome de Monsenhor Alejandre Pizarro, nos últimos períodos da Inquisição Espanhola. Foi, então que abusei da lente sagrada a que me referi. A volúpia das grandes sensações que pode ser tão prejudicial como o uso do álcool que embriaga os sentidos, fez-me olvidar os deveres mais santos. Bafejaram-me claridades espirituais de elevada expressão. Desenvolveu-se-me a clarividência, mas não estava satisfeito senão com rever meus companheiros visíveis e invisíveis no setor das velhas lutas religiosas. Impunha a mim mesmo a obrigação de localizar cada um deles no tempo, fazendo questão de reconstituir-lhes as fichas biográficas, sem cuidar do verdadeiro aproveitamento no campo do trabalho construtivo. A audição psíquica tornou-se-me muito clara; entretanto, não queria ouvir os benfeitores espirituais sobre tarefas proveitosas e sim interpelá-los, ousadamente, no capitulo da minha satisfação egoística. Despendi um tempo enorme, dentro do qual fugia aos companheiros que me vinham pedir atividades a bem do próximo, engolfado em, pesquisas referentes a Espanha do meu tempo. Exigia noticias de bispos de autoridades políticas da época, de padres amigos que haviam errado tanto quanto eu mesmo.

Não, faltaram generosas advertências. Freqüentemente, os colegas do nosso grupo espiritista chamaram-me a atenção para os problemas sérios de nossa casa. Eram sofredores que nos batiam à porta, situações que reclamavam testemunho cristão. Tínhamos um abrigo de órfãos em projeto, um ambulatório que começava a nascer e, sobre tudo, serviços semanais de instrução evangélica, nas noites de terças e sextas-feiras. Mas, qual! eu não queria saber senão das minhas descobertas pessoais. Esqueci que o Senhor me permitia aquelas reminiscências, não por satisfazer-me a vaidade, mas para que entendesse a extensão dos meus débitos para com os necessitados do mundo e me entregasse à obra de esclarecimento e conforto aos feridos da sorte. Contrariamente à expectativa dos abnegados amigos que me auxiliaram na obtenção da oportunidade sublinhe, não me movi no concurso fraterno e desinteressei-me da doutrina consoladora, que hoje revive o Evangelho de Jesus entre os homens. Somente procurei, a rigor, os que se encontravam afins comigo, desde o pretérito. Nesse propósito, descobri, com evidentes sinais de identidade, personalidades outrora eminentes, em relação comigo. Reconheci o senhor Higino de Salcedo, grande proprietário de terras, que me haviasido magnânimo protetor, perante as autoridades religiosas da Espanha, reencarnado como proletário inteligente e honesto mas em grande experiência de sacrifício individual. Revi o velho Gaspar de Lorenzo, figura solerte de inquisidor cruel que me quisera muito bem, reencarnado como paralítico e cego de nascença. E desse modo, meu amigo, passei a existência, de surpresa em surpresa, de sensação em sensação. Eu, que renascera recordando para edificar alguma coisa de útil, transformei a lembrança em viciação da personalidade. Perdi a oportunidade bendita de redenção, e o pior é o estado de alucinação em que vivo. Com o meu erro, a mente desequilibrou-se e as perturbações psíquicas constituem doloroso martírio. Estou sendo submetido a tratamento magnético, de longo tempo.
Nesse momento, porém, o interlocutor empalideceu de súbito. Os olhos, desmesuradamente abertos, vagavam como se fixassem quadros Impressionantes, muito longe da nossa perspective.. Depois cambaleou, mas Vicente o amparou de pronto, e, passando-lhe a destra na fronte, murmurava em voz firme:
— Joel! Joel! Não se entregue as impressões do passado! Volte ao presente de Deus!...
Profundamente admirado, notei que o convalescente regressava à expressão normal, esfregando os olhos. (03).

BELARMINO O DOUTRINADOR

As lições eram eminentemente proveitosas. Traziam-me novos conhecimentos e, sobretudo, com elas, admirava, cada vez mais, a bondade de Deus, que nos permitia a todos a restauração do aprendizado para serviços do futuro. Muitos de nós havíamos atravessado zonas purgatoriais de sombra e tormento intimo. Uns mais, outros menos. Bastara, contudo, o reconhecimento de nossa pequenez, a compreensão do nosso imenso débito e ali estávamos, todos, reunidos em "Nosso Lar", reanimando energias desfalecidas e reconstituindo programas de trabalho. Eu via em todos os companheiros presentes o reflorescimento da esperança. Ninguém se sentia ao desamparo. Observando que numerosos médiuns prosseguiam, em valiosa permuta de idéias, referentemente ao quadro de suas realizações, e ouvindo tantas observações sobre doutrinadores, perguntei a Vicente, em tom discreto:
— Não seria possível, para minha edificação, consultar a experiência de algum doutrinador em trânsito por aqui ? Recolhendo notícias de tantos médiuns, com enorme proveito, creio não deva perder esta oportunidade.
Vicente refletiu um minuto e respondeu:
— Procuremos Belarmino Ferreira. É meu amigo há alguns meses.
Segui o companheiro, através de grupos diversos. Belarmino lá estava a um canto, em palestra com um amigo. Fisionomia grave, gestos lentos, deixava transparecer grande tristeza no olhar humilde.
Vicente apresentou-me, afetuoso, dando inicio à conversação edificante. Após a troca de alguns conceitos, Belarmino falou, comovido:
— Com que, então, meu amigo deseja conhecer as amarguras de um doutrinador falido?
— Não digo isso - obtemperei a sorrir - desejaria conhecer sua experiência, ganhar também de sua palavra educativa.
Ferreira esboçou sorriso forçado, que expressava todo o absinto que ainda lhe requeimava a alma, e falou:
— A missão do doutrinador é muitíssimo grave para qualquer homem. Não é sem razão que se atribui a Nosso Senhor Jesus o título de Mestre. Somente aqui, vim ponderar bastante esta profunda verdade. meditei muitíssimo, refleti intensamente e concluí que, para atingirmos uma ressurreição gloriosa, não há, por enquanto, outro caminho além daquele palmilhado pelo Doutrinador Divino. É digna de menção a atitude d' Ele, abstendo-se de qualquer escravização aos bens terrestres. Não vemos passar o Senhor, em todo o Evangelho, senão fazendo o bem, ensinando o amor, acendendo a luz, disseminando a verdade. Nunca pensou nisso? Depois de longas meditações, cheguei ao conhecimento de que na vida humana, junto aos que administram e aos que obedecem, há os que ensinam. Chego, pois, a pensar que nas esferas da Crosta há mordomos, cooperadores e servos. Muito especialmente, os que ensinam devem ser dos últimos. Entende o meu irmão?
Ah! sim, havia compreendido perfeitamente. A conceituação de Belarmino era profunda, irrefutável. Aliás, nunca ouvira tão belas apreciações, relativamente à missão educativa.
Após ligeiro intervalo, continuou sempre grave:
— Há de estranhar, certamente, tenha eu fracassado, sabendo tanto. Minha tragédia angustiosa, porém, é a de todos os que conhecem o bem, esquecendo-lhe a prática.
Calou-se de novo, pensou, pensou, e prosseguiu:
— Faz rnuitos anos, sai de "Nosso Lar" com tarefa de doutrinação no campo do Espiritismo evangélico. Minhas promessas, aqui, foram enormes. Minha abnegada Elisa dispôs-se a acompanhar-me no serviço laborioso. Ser-me-ia companheira desvelada, abençoada amiga de sempre. Minha tarefa constaria de trabalho assíduo no Evangelho do Senhor, de modo a doutrinar, primeiramente com o exemplo, e, em seguida, com a palavra.
Duas colônias importantes, que nos convizinham, enviaram muitos servos para a mediunidade e pediram ao nosso Governador cooperasse com a remessa de missionários competentes para o ensino e a orientação.
Não obstante meu passado culposo, candidatei-me ao serviço com endosso do Ministro Gedeão, que não vacilou em auxiliar-me. Deveria desempenhar atividades concernentes ao meu resgate pessoal e atender à tarefa honrosa, veiculando luzes a irmãos nossos nos planos visível e invisível. Impunha-se-me, sobretudo, o dever de amparar as organizações mediúnicas, estimulando companheiros de luta, postos na Terra a serviço da idéia imortalista. Entretanto, meu amigo, não consegui escapar à rede envolvente das tentações. Desde criança, meus pais socorreram-me com as noções consoladoras e edificantes do Espiritismo cristão. Circunstancias várias, que me pareceram casuais, situaram-me o esforço na presidência de um grande grupo espiritista. Os serviços eram promissores, as atividades nobres e construtivas, mas enchi-me de exigências, levado pelo excessivo apego à posição de comando do barco doutrinário. Oito médiuns, extremamente dedicados ao esforço evangélico, ofereciam-me colaboração ativa, contudo procurei colocar acima de tudo o preceito científico das provas insofismáveis. Cerrei os olhos à lei do merecimento individual, olvidei os imperativos do esforço próprio e, envaidecido com os meus conhecimentos do assunto, começei por atrair amigos de mentalidade inferior ao nosso circulo, tão somente em virtude da falsa posição que usufruíam na cultura filosófica e na pesquisa cientifica. Insensivelmente, vicejaram-me na personalidade estranhos propósitos egoisticos. Meus novos amigos queriam demonstrações de toda a sorte e, ansioso por colher colaboradores na esfera da autoridade cientifica, eu exigia dos pobres médiuns longas e porfiadas perquirições nos planos invisíveis. O resultado era sempre negativo, porque cada homem receberá, agora e no futuro, de acordo com as próprias obras. Isso me irritava. Instalou-se a dúvida em meu coração, devagarinho. Perdi a serenidade doutro tempo. Comecei a ver nos médiuns, que se retraiam aos meus caprichos, companheiros de má vontade e má fé. Prosseguiam nossas reuniões, mas da dúvida passei à descrença destruidora.
Não estávamos num grupo de intercâmbio entre o visível e o invisível ? Não eram os médiuns simples aparelhos dos defuntos comunicante ? Por que não viriam aqueles que pudessem atender aos nossos interesses materiais, imediatos? Não seria melhor estabelecer um processo mecânico e rápido para as comunicações? Porque a negação do invisível aos meus propósitos de demonstrar positivamente o valor da nova doutrina?
Debalde, Elisa me chamava para a esfera religiosa e edificante, onde poderia aliviar o espírito atormentado

O Evangelho, todavia, é livro divino e, enquanto permanecermos na cegueira da verdade e da ignorância, não nos expõe seus tesouros sagrados. Por isso mesmo, tachava-o de velharia. E, de desastre a desastre, antes que me firmasse na missão de ensinar, os amigos brilhantes do campo de cogitações inferiores da Terra arrastaram-me ao negativismo completo. Do nosso agrupamento cristão, onde poderia edificar construções eternas, transferi-me para o movimento, não da política que eleva, mas da politicalha inferior, que impede o progresso comum e estabelece a confusão nos Espíritos encarnados. Por aí, estacionei muito tempo, desviado dos meus objetivos fundamenteis, porque a escravidão ao dinheiro me transformara os sentimentos
E assim foi, até que acabei meus dias com uma bela situação financeira no mundo e... um corpo crivado de enfermidades; com um palácio confortável de pedra e um deserto no coração. A revivescência da minha inferioridade antiga religou-me a companheiros menos dignos no plano dos encarnados e desencarnados, e o resto o meu amigo poderá avaliar: tormentos, remorsos, expiações...
Concluindo, asseverou:
— Mas, como não ser assim? Como aprender sem a escola, sem retomar o bem e corrigir o mal?
— Sim, Belarmino - disse, abraçando-o - você tem razão. Tenho a certeza de que não vim tão só ao Centro de Mensageiros, mas também ao centro de grandes lições. ( 04 )


APALAVRA DE MONTEIRO

— Os ensinamentos aqui são variados.
Fora o amigo de Belarmino quem tomara a palavra. Mostrando agradável maneira de dizer, continuou:
— Há três anos sucessivos, venho diariamente ao Centro de Mensageiros e as lições são sempre novas. Tenho a impressão de que as bênçãos do Espiritismo chegaram prematuramente ao caminho dos homens. Se minha confiança no Pai fosse menos segura, admitiria essa conclusão.
Belarmino, que observava atento os gestos do amigo, interveio, explicando:
— O nosso Monteiro tem grande experiência do assunto.
— Sim — confirmou ele - experiência não me falta. Também andei às tontas nas semeaduras terrestres. Como sabem, é muito difícil escapar à influência do meio, quando em luta na carne, São tantas e tamanhas as exigências dos sentidos, em relação com o mundo externo, que não escapei, igualmente, a doloroso desastre.
— Mas, como ? - indaguei interessado em consolidar conhecimentos.
— E' que a multiplicidade de fenômenos e as singularidades mediúnicas reservam surpresas de vulto a qualquer doutrinador que possua mais raciocínios na cabeça que sentimentos no coração. Em todos os tempos, o vício intelectual pode desviar qualquer trabalhador mais entusiasta que sincero, e foi o que me aconteceu.
Depois de ligeira pausa, prosseguiu:
— Não preciso esclarecer que também parti de "Nosso Lar", noutro tempo, em missão de Entendimento Espiritual. Não ia para estimular fenômenos, mas para colaborar na iluminação de companheiros encarnados e desencarnados. O serviço era imenso. Nosso amigo Ferreira pode dar testemunho, porquanto partimos quase juntos. Recebi todo o auxilio para iniciar minha grande tarefa e intraduzível alegria me dominava o espírito no desdobramento dos primeiros serviços. Minha mãe, que se convertera em minha devotada orientadora, não cabia em si de contente. Enorme entusiasmo instalara-se-me no espirito. Sob meu controle direto, estavam alguns médiuns de efeitos físicos, além de outros consagrados à psicografia e a incorporação; e tamanho era o fascínio que o comércio com o invisível exercia sobre mim que me distraí completamente quanto à essência moral da doutrina. Tínhamos quatro reuniões semanais, às quais comparecia com assiduidade absoluta. Confesso que experimentava certa volúpia na doutrinação aos desencarnados de condição inferior. Para todos eles tinha longas exortações decoradas, na ponta da língua. Aos sofredores, fazia ver que padeciam por culpa própria. Aos embusteiros, recomendava, enfaticamente, a abstenção da mentira criminosa. Os casos de obsessão mereciam-me ardor apaixonado. Estimava enfrentar obsessores cruéis para reduzi-los a zero, no campo da argumentação pesada. Outra característica que me assinalava a ação firme era a dominação que pretendia exercer sobre alguns pobres sacerdotes católicos-romanos desencarnados, em situação de ignorância das verdades divinas. Chegava ao cúmulo de estudar, pacientemente, longos trechos das Escrituras, não para meditá-los com o entendimento, mas por mastigá-los a meu bel-prazer, bolçando-os depois aos Espíritos perturbados, em plena sessão, com a idéia criminosa de falsa superioridade espiritual. O apego às manifestações exteriores desorientou-me por completo. Acendia luzes para os outros, preferindo, porém, os caminhos escuros e esquecendo a mim mesmo. Somente aqui, de volta, pude verificar a extensão da minha cegueira.
Por vezes, após longa doutrinação sobre a paciência, impondo pesadíssimas obrigações aos desencarnados, abria as janelas do grupo de nossas atividades doutrinárias, para descompor as crianças que brincavam inocentemente na rua. Concitava os perturbados invisíveis a conservarem serenidade para, daí a instantes, repreender senhoras humildes, presentes à reunião, quando não podiam conter o pranto de algum pequenino enfermo. Isso, quanto a coisas mínimas, porque, no meu estabelecimento comercial, minhas atitudes eram inflexíveis. Raro o mês que não mandasse promissórias a protesto público. Lembro-me de alguns varejistas menos felizes, que me rogavam prazo, desculpas, proteção. Nada me demovia, porém. Os advogados conheciam minhas deliberações implacáveis. Passava os dias no escritório estudando a melhor maneira de perseguir os clientes em atraso, entre preocupações e observações nem sempre muito retas e, à noite, ia ensinar o amor aos semelhantes, a paciência e a doçura, exaltando o sofrimento e a luta como estradas benditas de preparação para Deus.
Andava cego. Não conseguia perceber que a existência terrestre, por si só é uma sessão permanente. Talhava o Espiritismo a meu modo. Toda a proteção e garantia para mim, e valiosos conselhos ao próximo. Ao demais disso, não conseguia retirar a mente dos espetáculos exteriores. Fora das sessões práticas minha atitude doutrinária consistia em vastíssimos comentários dos fenômenos observados, duelos palavrosos, narrações de acontecimentos insólitos, crítica rigorosa dos médiuns.
Monteiro deteve-se um pouco, sorriu e continuou:
— De desvio em desvio a angina encontrou-me absolutamente distraído da realidade essencial. Passei para cá, qual demente necessitado de hospício. Tarde reconhecia que abusara das sublimes faculdades do verbo. Como ensinar sem exemplo, dirigir sem amor ? Entidades perigosas e revoltadas aguardaram-me à saída do plano físico. Sentia, porém, comigo, singular fenômeno. Meu raciocínio pedia socorro divino, mas meu sentimento agarrava-se a objetivos inferiores. Minha cabeça dirigia-se ao Céu, em súplica, mas o coração colava-se a Terra. Nesse estado triste, vi-me rodeado de seres malévolos que me repetiam longas frases de nossas sessões. Com atitude irônica, recomendavam-me serenidade, paciência e perdão às alheias faltas; perguntavam-me, igualmente, porque me não desgarrava do mundo, estando já desencarnado. Vociferei, roguei, gritei, mas tive de suportar esse tormento por muito tempo.
Quando os sentimentos de apego à esfera física se atenuaram, a comiseração de alguns bons amigos me trouxe até aqui. E imagine o irmão que meu Espírito infeliz ainda estava revoltado. Sentia-me descontente.
Não havia fomentado as sessões de intercâmbio entre os dois planos? Não me consagrara ao esclarecimento dos desencarnados ?
Percebendo-me a irritação ridícula, amigos generosos submeteram-me a tratamento. Não fiquei satisfeito. Pedi a Ministra Veneranda uma audiência, visto ter sido ela a intercessora da minha Oportunidade. Queria explicações que pudessem atender ao meu capricho individual. A Ministra é sempre muito ocupada, mas sempre atenciosa. Não marcou a audiência, dada a insensatez da solicitação; no entanto, por demasia de gentileza, visitou-me em ocasião que reservara a descanso. Crivei-lhe ouvidos de lamentações, chorei amargamente e, durante duas horas, ouviu-me a benfeitora por um prodígio de paciência evangélica. Em silêncio expressivo, deixou que me cansasse na exposição longa e inútil. Quando me calei, à espera de palavras que alimentassem o monstro da minha incompreensão, Veneranda sorriu e respondeu:
— "Monteiro, meu amigo, a causa da sua derrota não é complexa, nem difícil de explicar. Entregou-se, você, excessivamente ao Espiritismo prático, junto dos homens, nossos irmãos, mas nunca se interessou pela verdadeira prática do Espiritismo junto de Jesus, nosso Mestre."
Nesse instante, Monteiro fez longa pausa, pensou uns momentos e falou, comovido:
— Desde então, minha atitude mudou muitíssimo, entendeu?
Aturdido com a lição profunda, respondi, mastigando palavras, como quem pensa mais, para falar menos:
—Sim, sim, estou procurando compreender.(05)

Bibliografia

01 - XAVIER, Francisco Cândido. Os Mensageiros. Pelo espírito André Luiz, 15 ed. Rio de Janeiro, FEB, p. 41-46.
02 - Op. cit. , p. 47-51
03 - Op. cit. , p. 57-61
04 - Op. cit. , p. 62-66
05 - Op. cit. , p. 67-71.

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