Estudando o Espiritismo

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dores do Martírio


"Não consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelires os prazeres que as vossas condições humanas vos permitem. Não imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas."
Um Espírito Protetor. (Bordéus, 1863)

No capítulo do crescimento espiritual torna-se essencial distinguir o que são as dores do crescimento e as dores do martírio. Não existe reforma íntima sem sofrer, mas martírio é uma forma de autopunição, são “penitências psicológicas” que nos impomos como se com isso estivéssemos melhorando.

Em razão do complexo de inferioridade que assola expressiva parcela das almas na Terra, e cientes de que semelhante vivência psicológica deve-se ao nosso voluntário “afastamento de Deus”, ao longo das etapas evolutivas, fazendo-nos sentir inseguros e impotentes, hoje criamos as “capas mentais” para nos sentirmos minimamente bem e levar avante o desejo de existir e viver. Essas capas são as estruturas do “eu ideal” que nos leva a crer sermos mais do que realmente somos, uma defesa contra as mazelas que não queremos aceitar em nós mesmos.

A melhoria íntima autêntica ocorrer pelo processo de conscientização e não pelas decorrentes de cobranças e conflitos interiores, que instalam “circuitos fechados” e pane na vida mental.

Sem dúvida, todos sofremos para crescer, martírio, no entanto, é o excesso que nasce da incapacidade de gerir com equilíbrio o mundo emotivo, assumindo proporções e facetas diversificadas conforme o temperamento e as necessidades de cada qual. Não o confundamos também com sacrifício – ato que ocasiona dores intensas com objetivo de alcançar alguma meta ou superar alguma dificuldade.

O que define a condição psíquica de martirizar-se é o fato de se crer no desenvolvimento de qualidades que, de fato, não estão sendo trabalhadas na intimidade. São as dores impostas a nós mesmos pelas atitudes de desamor, quando acreditamos no “eu ideal” e negamos ou fugimos do “eu real”.

Quase sempre as dores do martírio decorrem de não querermos experimentar as dores do crescimento. Um exemplo típico é quando somos convocados a examinar certa imperfeição apontada por alguém e, entre a dor da auto-avaliação e a dor da negação, preferimos a segunda, a qual integra a lista das “dores-excesso”.

Dentre as formas autopunitivas mais comuns, destacamos a maneira pela qual reagimos a nossos erros tem sido um canal de acesso a infinitas dimensões expiatórias. Muitos corações transformam o erro e a insatisfação com suas experiências em quedas lamentáveis e irrecuperáveis, quando a escola da vida é um gesto de sabedoria e complacência convidando-nos sempre a reerguer e recomeçar, perante todos os insucessos do caminho.

Quando digo assim: “não posso mais falhar” será mais difícil a conquista de si. Dessa forma começamos a conhecer os grandes inimigos do auto-amor no nosso íntimo. Um deles é o perfeccionismo – uma das fontes de martírio que costuma dizimar a energia de muitos aprendizes da espiritualização. Querendo se transformar, partem para um processo de auto-inaceitação e de auto-reprovação muito cruéis, inclinando-se para a
condenação. A questão não é de lutar contra nós, e sim conquistar essa parte enferma, recuperá-la, e isso jamais conseguiremos se não aprendermos a amar esse nosso “lado doentio”.

Essa forma inadequada de reagir a nossos erros abre porta para muitas conseqüências graves, e às vezes maiores que o próprio erro em si, tais como: estado íntimo de desconforto e desassossego quase permanente, torturante sensação de perda de controle sobre a existência, baixa tolerância à frustração, ansiedade de origem ignorada, medos incontroláveis de situações irreais, irritações sem motivos claros, angústia perante o porvir com aflição e sofrimento por antecipação, excesso de imaginação ante fatos corriqueiros da vida descrença no esforço de mudança e nas tarefas doutrinárias, mau humor, decisões infelizes no clima emotivo de confusão mental, intenso desgaste energético decorrente de conflitos, desânimo – são algumas dores do martírio. Quando permanecem prolongadamente, esses estados psicológicos configuram uma auto-obsessão que pode atingir o campo o vampirismo e de ilimitadas doenças físicas.

Poder-se-ia indagar a origem mais profunda de tantas lutas e teríamos que vagar por um leque de alternativas tão amplo quanto são as individualidades. Todavia, para nossos propósitos desse momento, convém-nos refletir sobre uma das mais pertinentes atitudes que têm levado os discípulos espíritas aos sofrimentos voluntários com seu processo de interiorização. Sejamos claros e sem subterfúgios para o nosso bem. O culto à dor tornou-se uma cultura nos ambientes espíritas. Condicionou-se a idéias de que sofrer é sinônimo de crescer, de que sofrer é resgatar, quitar.

Portanto, passou-se a compreender a “dor-punitiva” como instrumento de libertação, quando, em verdade, somente a dor que educa liberta. Há criaturas dotadas de largas fatias de conhecimento espiritual sofrendo intensamente, mas que continuam orgulhosas, insensatas, hostis e rebeldes.

Não é a intensidade da dor que educa, e sim o esforço de aprender amenizá-las.

O espírita costuma “neuronizar” a proposta da reforma íntima. É a “neurose de santificação”, um modo imaturo de agir em razão da ausência de noções mais profundas sobre a sua verdadeira realidade espiritual.

Constatamos que existe muita impaciência com a reforma íntima devido à angústia causada ao espírito devido ao contato com sua verdadeira condição diante do Universo. Creia-se assim para si, através de mecanismos mentais, as “virtudes de adorno” ou “compensações artificiais” a fim de sentir-se valorizado perante a consciência e o próximo. São os esconderijos psíquicos nos quais quase sempre enfurnamos para não tomarmos contato com a “verdade pessoal”...

Essa neurotização da virtude gera um sistema de vida cheio de hábitos e condutas rígidas, a título de seguir orientações da doutrina . Adota-se procedimentos que não são sentidos e “triturados” pela arte de pensar. Isso nos desaproxima ainda mais da autêntica mudança e passamos então a nos preocupar com o que não devemos fazer, esquecendo o que devíamos estar fazendo. Certamente esse caminho gera martírio e ônus para a vida mental.

Existem muitas dores naturais no crescimento espiritual que estabelecem um processo crônico de pressão psicológica, entretanto, diferem muito da autoflagelação, porque elas impulsionam e fazem parte da grande batalha pela promoção de todos nós. Observa-se, inclusive, que alguns corações sinceros, inseridos no esforço auto-educativo, experimentam essa “silenciosa expiação”, mas, por desconhecerem os percalços do trabalho renovador, terminam por desistirem de prosseguir e atolam-se no desânimo.

Acreditam-se piores quando constatam semelhantes quadros de dor psicológica e deduzem que, ao invés de progredirem, estão em plena derrocada. Diga-se de passagem, não são poucos os quadros com essas características que temos observado no seio do movimento doutrinário.

Freqüentemente existe um trio de sicários da alma que a chicoteiam durante as etapas do amadurecimento, são eles: baixa auto-estima, culpa e medo de errar. Apesar de serem sofrimentos psíquicos, funcionam como emuladores do progresso quando nos habilitamos para gerenciá-los. Assim, a culpa transforma-se em auto-aferição da conduta e freio contra novas quedas, a baixa auto-estima converte-se em capacidade de descobrir valores e o medo de errar promove-se a valoroso arquivo de experiências e desapego de padrões.

Face ao exposto, indaguemos sobre quais seriam as medidas que deveriam ser implementadas nos núcleos educativos do Espiritismo, em favor da melhor compreensão dos roteiros de transformação interior. Aprofundemos debates entre dirigentes sobre quais iniciativas poderiam ser facilitadas ao novéis trabalhadores, em favor de um aprendizado sem os torturantes conflitos originados da crueldade aplicada a nós mesmos, quando não somos criativos o bastante para lidar com nossa sombra e tombamos em martírios inúteis.

Reforma íntima deve ser considerada como melhoria em nós mesmos e não a anulação de uma parte de nós considerada ruim. Uma proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a nossa felicidade.

Quem está na reforma interior tem um referencial fundamental para se auto-analisar ao longo da caminhada educativa, um termômetro das almas que se aprimoram; inevitavelmente, quem se renova alcança a maior conquista das pessoas livres: o prazer de viver.

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